Entrevista com Crystal Widjaja

Chief Product Officer at Kumu

por Lenny's Podcast2022-07-31

Crystal Widjaja

A jornada de Crystal Widjaja, de uma impaciente estudante de ciência política a um titã de produto e crescimento no Sudeste Asiático, é nada menos que extraordinária. No Lenny's Podcast, ela revela os bastidores de suas experiências na Gojek – uma empresa que hoje supera muitos gigantes de tecnologia ocidentais em escala – e na Kumu, oferecendo uma verdadeira aula sobre crescimento com poucos recursos (scrappy growth), análises de impacto e construção de equipes que realmente fazem a diferença. Esta não é apenas uma história de sucesso do Vale do Silício; é um mergulho profundo em um manual de estratégias completamente diferente e incrivelmente eficaz.

Do Craigslist a um Decacorn: O Caminho Não Convencional de Crystal

A trajetória de carreira de Crystal é um testemunho do pensamento não convencional. Fugindo do pipeline tradicional de tecnologia após a faculdade, ela conseguiu um emprego de pesquisa em banco de investimento, onde sua impaciência com dados manuais a levou a aprender MySQL por conta própria. Percebendo que as finanças tradicionais não eram suficientemente orientadas para a tecnologia, ela literalmente enviou um e-mail não solicitado (cold-email) para a Gojek, uma startup indonésia incipiente, pedindo-lhes para "apostarem nela". Eles apostaram, e o resto é história. Ela descreve os primeiros dias da Gojek como incrivelmente de alto risco, juntando-se quando a empresa operava de "uma casa", um momento que ela admite a fez questionar se havia "cometido um grande erro". No entanto, o problema subjacente que a Gojek resolvia – o tráfego horrível na Indonésia – era inegável, e a disposição da equipe em ir a extremos era imediatamente aparente.

Crystal lembra de uma tática impressionante para integrar motoristas em larga escala: "Eu senti que era um problema muito solucionável e acabamos alugando um estádio para contratar cerca de 60.000 motoristas em algumas semanas." Esta anedota encapsula perfeitamente a abordagem única, muitas vezes audaciosa, necessária para prosperar em mercados como o Sudeste Asiático, onde a infraestrutura física e o comportamento do consumidor apresentam desafios e oportunidades vastamente diferentes do Ocidente. Esse ambiente também explica a ascensão de "super apps" como Gojek (agora GoTo) e Kumu. Em regiões onde os telefones celulares são frequentemente os únicos computadores que as famílias possuem, e o armazenamento é um bem precioso, consolidar serviços em um único aplicativo não é apenas conveniente; é uma necessidade. Como Crystal explica: "Quando seu telefone está cheio, você vai apagar uma foto do seu filho ou vai apagar este aplicativo? Você provavelmente vai apagar o aplicativo." Essa percepção revela uma diferença fundamental nas necessidades dos usuários, tornando o modelo de super app uma solução poderosa para um continente inteiro.

Principais Aprendizados:

  • Abrace Caminhos Não Convencionais: Às vezes, as oportunidades mais impactantes surgem de jornadas não-padrão e apostas pessoais ousadas.
  • Entenda a Física do Mercado: As estratégias de crescimento devem estar profundamente enraizadas nas realidades culturais, econômicas e tecnológicas únicas do mercado-alvo.
  • Resolva Problemas Centrais: Produtos que abordam pontos de dor inegáveis (como tráfego ou limitações de armazenamento de telefone) têm o potencial para crescimento explosivo, mesmo com riscos iniciais.

A Arte do Crescimento com Poucos Recursos (Scrappy Growth) e "Fazer Coisas Que Não Escalam"

Na Gojek, Crystal tornou-se mestra em "fazer coisas que não escalam" – muitas vezes referido como o método "Mágico de Oz" – para validar rapidamente ideias. Confrontados com a necessidade de testar um recurso de assinatura, em vez de desenvolvê-lo, eles criaram uma solução manual alternativa. Adicionaram 100 motoristas a um grupo de WhatsApp, instruindo-os a oferecer uma assinatura aos clientes, coletar 10 dólares em dinheiro e enviar uma mensagem de texto para a equipe. A equipe de Crystal então aplicava manualmente os vouchers e deduzia o dinheiro. Esse processo incrivelmente manual, porém eficaz, permitiu-lhes validar a proposta de valor e as taxas de conversão sem uma única linha de código.

Essa filosofia se estende além do mero teste de funcionalidades. A Gojek alavancou seu ativo mais visível para o crescimento: seus motoristas. Ao incentivar os motoristas a atuarem como vendedores da GoPay (o serviço de e-wallet), oferecendo-lhes dinheiro extra para que os clientes carregassem suas carteiras digitais, a Gojek aproveitou um canal de vendas poderoso e cativo. "Você não acreditaria no quão bom vendedor alguém pode ser quando você está literalmente preso em um carro com eles indo para algum lugar", brinca Crystal. Este programa foi responsável por 60% da aquisição de usuários da GoPay após seu lançamento. Para startups iniciantes com dados limitados, Crystal defende a realização de experimentos mesmo com apenas 30 usuários. Embora a precisão melhore com mais dados, "o que é melhor do que ter zero é definitivamente 30", ela afirma, enfatizando que as tendências subjacentes frequentemente emergem rapidamente, permitindo uma iteração rápida.

Principais Práticas:

  • Teste Mágico de Oz: Simule manualmente novas funcionalidades ou experiências para validar a demanda antes de investir no desenvolvimento.
  • Alavanque Ativos Existentes: Identifique e incentive canais únicos de crescimento que são inerentes ao seu produto ou serviço, como os motoristas da Gojek.
  • Experimente Cedo e Frequentemente: Não espere por um grande número de usuários; realize experimentos com pequenas amostras (mesmo 30 usuários) para coletar rapidamente dados direcionais e iterar.
  • Resolva o "Momento de Configuração": Em vez de focar diretamente na conversão, identifique e aborde problemas precedentes como "confiança" ou "atrito" que impedem os usuários de atingirem seu "momento aha".

Além das Métricas de Vaidade: A Busca por Insights Verdadeiros

Crystal é notoriamente crítica sobre como a maioria das empresas aborda a análise de dados (analytics), muitas vezes caindo na armadilha de coletar "entretenimento" em vez de "notícias". Como ela define: "Notícias de verdade são informações que mudam o que você faz no mundo real, e se você não muda o que está fazendo, o que você está fazendo é apenas se entretendo." A questão central, ela explica, reside em confundir medições com insights. Uma observação como "usuários avançados fazem quatro vezes mais reservas" é uma medição; ela carece de contexto e não explica o porquê.

Insights verdadeiros surgem da compreensão do 'porquê', instrumentando eventos com propriedades ricas. Por exemplo, em vez de apenas rastrear "mapa carregado", a Gojek rastrearia propriedades como "quantos motoristas eles veem na tela", "em que cidade está" ou "há preço dinâmico (surge pricing)". Esse contexto granular permitiu-lhes descobrir que usuários que viam apenas dois motoristas eram muito menos propensos a converter do que aqueles que viam cinco. Esse insight impulsionou a ação: entender onde e quando a oferta de motoristas era baixa e, em seguida, abordá-la. Crystal também oferece benchmarks de retenção concretos: 60% de retenção semana a semana para produtos gratuitos, 20-30% para produtos pagos, e um crítico 80% para testes com "amigos e familiares". "Se você não consegue nem convencer as pessoas que se importam com você a usar o produto, provavelmente ele não vai resolver o problema de mais ninguém", ela afirma.

Principais Insights:

  • "Notícias" vs. "Entretenimento": Garanta que a coleta de dados leve a mudanças acionáveis no comportamento ou na estratégia, não apenas a observações interessantes.
  • Medições ≠ Insights: Entenda a diferença entre um fato observado e um insight que fornece contexto e explica o "porquê".
  • Instrumentação Rica: Rastreie eventos com inúmeras propriedades (por exemplo, localização, contexto, opções disponíveis) para descobrir os fatores causais por trás do comportamento do usuário.
  • Benchmarks de Retenção: Busque altas taxas de retenção (por exemplo, 60% semanais para produtos gratuitos, 80% para early adopters) como um claro sinal de product-market fit.

Estruturando para o Crescimento Sustentável: A Abordagem da "Equipe de Limpeza" (Cleanup Crew)

A experiência de Crystal na Gojek moldou sua visão sobre como as equipes de crescimento deveriam operar, especialmente nos estágios iniciais. Inicialmente, eles não definiram explicitamente "crescimento", mas reconheceram "lacunas óbvias a preencher". Enquanto as equipes de produto principal focavam em funcionalidades fundamentais, a equipe de crescimento tornou-se a "equipe de limpeza" (cleanup crew), lidando com tudo, desde a otimização das taxas de entrega de SMS para novos cadastros até a educação de usuários iniciantes. Eles conectaram os pontos, garantindo que os usuários tivessem uma jornada fluida, mesmo que as funcionalidades principais não estivessem totalmente polidas.

Isso significava entender comportamentos sutis dos usuários, como um novo usuário não saber que precisava encontrar o motorista em vez de esperar. A equipe de crescimento preencheria essas lacunas educacionais. Crystal enfatiza que a primeira contratação para crescimento não deve ser esperada para "modelar tudo", mas sim para "escolher um pequeno espaço para trabalhar que eles saibam que é viável". Isso requer um profundo entendimento de números. "Você precisa ter alguém que saiba interpretar os números corretamente", ela enfatiza, destacando a importância da intuição estatística para evitar tomar decisões baseadas em interpretações falhas ou pequenas amostras. O verdadeiro valor de uma equipe de crescimento reside em sua capacidade de identificar e abordar as oportunidades de maior impacto, destravando o crescimento futuro.

Principais Práticas:

  • Identifique e Preencha Lacunas: Equipes de crescimento se destacam ao abordar falhas na experiência do usuário ou ineficiências operacionais que as equipes de produto principal podem não priorizar.
  • Integre o Crescimento: Integrar gerentes de produto de crescimento (growth product managers) às equipes principais ajuda a sintetizar os objetivos de crescimento diretamente no desenvolvimento do produto.
  • Contrate por Intuição Estatística: As primeiras contratações para crescimento devem possuir um forte entendimento de estatísticas, amostragem e viés para garantir que as decisões baseadas em dados sejam sólidas.
  • Foque no Impacto: Priorize esforços que tenham o maior potencial de impacto e possam destravar o crescimento futuro, mesmo que não sejam os projetos mais "vistosos".

"A pior coisa possível é ter uma pessoa de crescimento que pensa que está fazendo a coisa certa, mas está medindo as coisas de forma errada e, consequentemente, focando nas áreas erradas." - Crystal Widjaja